quinta-feira, 17 de maio de 2012

ANEMIA

Anemia Falciforme: Desafios e Avanços na busca de Novos Fármacos

Os plásticos podem ser perigosos?


Pesquisas recentes indicam que substâncias químicas presentes em alguns tipos de plásticos usados comumente pela população podem causar danos à saúde humana. Artigo da CH de maio mostra os perigos da exposição a esses compostos.

Por: Sônia Corina Hess
Publicado em 14/05/2012 | Atualizado em 14/05/2012
Os plásticos podem ser perigosos?
O bisfenol A, substância química de reconhecida atividade hormonal, é empregado na fabricação de diversos tipos de plásticos, como os usados em garrafas de água mineral. (foto: Gabriella Fabbri/ Sxc.hu)
É crescente o número de substâncias químicas, presentes em plásticos, suspeitas de atuar como hormônios artificiais ou de interferir no sistema endócrino, levando a doenças e disfunções em adultos e crianças e a malformações em embriões. A questão desperta grande preocupação porque os plásticos são virtualmente onipresentes na vida humana contemporânea, sendo empregados na fabricação de uma infinidade de produtos, muitos deles destinados a crianças ou a hospitais.
É crescente o número de substâncias químicas, presentes em plásticos, suspeitas de atuar como hormônios artificiais ou de interferir no sistema endócrino
Em mulheres, a exposição a agentes artificiais que imitam o hormônio feminino natural (estrogênio) é o principal fator de risco para o desenvolvimento de doenças como endometriose e câncer (de mama e de útero). Já a exposição de homens adultos a essas substâncias também pode causar câncer, além de levar à impotência ou induzir crescimento de mamas (ginecomastia) e redução do desejo sexual, dos níveis de hormônio masculino (androgênio) no sangue e do número de espermatozoides.
Substâncias artificiais quimicamente muito diferentes agem como interferentes no sistema hormonal. Por isso, é difícil predizer se um material apresentará essa propriedade a partir de sua estrutura química.
O dicloro-difenil-tricloroetano, inseticida conhecido pela sigla DDT, largamente utilizado por décadas e hoje de uso banido na agricultura, foi o primeiro produto químico artificial em que a atividade hormonal foi identificada. Ainda em 1949, foi relatado que homens que pilotavam os aviões usados para aplicar esse inseticida nas plantações apresentavam baixas contagens de espermatozoides. Desde então, outros compostos químicos que afetam o sistema hormonal humano foram descobertos.

Suspeitas crescentes

Os efeitos dos compostos presentes nos plásticos no organismo humano ainda estão sendo investigados, mas suspeita-se que eles tenham participação relevante em problemas de saúde que vêm se tornando mais frequentes na população mundial nas últimas décadas.
De 1990 a 2005, constatou-se um aumento de 19% na incidência mundial de câncer, doença responsável hoje por mais de 12% das mortes no planeta: estima-se que os vários tipos de câncer vitimem mais de sete milhões de pessoas por ano. No Brasil, os cânceres representam a segunda principal causa de mortes de mulheres e a terceira, no caso dos homens. Em 2009, segundo dados do Ministério da Saúde, 172.255 pessoas morreram de câncer no Brasil, o que representou 15,6% do total de mortes no país.
Pesquisas mostram que diversas anomalias congênitas em animais de laboratório e seres humanos são causadas por exposição a alguns compostos químicos artificiais
Estudos epidemiológicos também têm revelado que, nos últimos 60 anos, em alguns países, em especial os desenvolvidos, e principalmente na Europa, a contagem média de espermatozoides (por indivíduo) caiu à metade e que dobrou a incidência de malformações do sistema reprodutivo masculino em recém-nascidos.
Em relação às malformações congênitas, avalia-se que, em média, entre 3% e 5% das crianças nascem, no mundo, com esse tipo de problema. No Brasil, as malformações foram, em 2009, a segunda causa de falecimento de crianças até um ano: 18,3% do total de 7.817 mortes naquele ano. Entre 20% e 25% dessas malformações são atribuídas a causas genéticas, mas com frequência as causas não são identificadas. No entanto, pesquisas têm evidenciado que diversas anomalias congênitas em animais de laboratório e em seres humanos são provocadas por exposição a alguns compostos químicos artificiais, como bisfenol A, ftalatos e alquilfenóis.

Componente tóxico

Por muitos anos, o bisfenol A (BPA) tem sido uma das substâncias químicas de maior produção ao redor do mundo. É empregado na fabricação de diversos plásticos, presentes em muitos itens, inclusive mamadeiras, garrafas de água mineral, selantes dentários, latas de conserva, tubos para água, CDs e DVDs, impermeabilizantes de papéis e tintas. Todos esses materiais, ao sofrer a ação de processos físicos ou químicos, liberam bisfenol A em alimentos, em bebidas e no ambiente.
Mamadeira
A detecção do bisfenol A em mamadeiras feitas de policarbonato levou vários países, entre eles o Brasil, a proibir a fabricação e a venda desse artigo infantil com o composto. (foto: Flickr/ Tex Batmart – CC BY-NC-ND 2.0)
Essa substância, de reconhecida atividade hormonal, foi detectada, por exemplo, na saliva de pacientes tratados com selador dentário à base de resina derivada do BPA (uma hora após o tratamento e em quantidades suficientes para estimular a proliferação de células de câncer de mama), em mamadeiras de plástico (policarbonato) e sob condições semelhantes às do uso normal, em líquidos de latas de conservas de alimentos revestidas por resina contendo BPA (que também estimularam a proliferação das células de câncer de mama), em amostras de leite e na água mineral acondicionada em galões de policarbonato, entre muitos outros itens.
Pesquisa baseada na análise de fluidos corporais, nos Estados Unidos, encontrou o BPA em 95% das amostras e levou os pesquisadores a concluir que “a frequente detecção da substância sugere que os habitantes estão amplamente expostos a ela”. Os autores destacaram que as concentrações de BPA em fluidos corporais humanos são pelo menos mil vezes superiores às concentrações necessárias para a ocorrência dos efeitos em células descritos em estudos científicos.
Esses resultados, segundo os autores do estudo, indicam que a substância já deve estar provocando amplos efeitos biológicos em humanos. Particularmente preocupantes são os elevados níveis de BPA detectados em cordões umbilicais, no soro materno durante a gravidez e no fluido amniótico uterino durante o período de maior sensibilidade do feto aos efeitos danosos dos interferentes hormonais.


Sônia Corina Hess
Universidade Federal de Santa Catarina (campus de Curitibanos)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Químico em embalagens diminui o efeito de vacinas!


Uma família de componentes químicos muito utilizados para revestir panelas e embalagens de alimentos pode diminuir a eficácia de vacinas em crianças. É o que mostra um estudo divulgado ontem pela revista científica Journal of the American Medical Association (Jama).
Há muitos anos, cientistas suspeitavam de que os compostos perfluorados (PFCs, na sigla em inglês) poderiam causar algum tipo de problema à saúde das pessoas. Um artigo publicado em 2009 na Environmental Science and Technology, por exemplo, demonstrava a concentração desses compostos no sangue de voluntários. Mas ainda não sabiam se eles poderiam causar algum dano à saúde.
Os cientistas acompanharam 587 crianças durante sete anos. Mediram a presença dos compostos perfluorados no seu sangue ao nascer e, mais tarde, aos 5 e 7 anos de idade. Também avaliaram a quantidade de anticorpos produzidos por vacinas contra o tétano e a difteria (mais informações nesta página).
Ficou claro que existia uma relação direta entre a concentração da substância e respostas insuficientes às vacinas. Uma concentração duas vezes maior dos perfluorados no sangue foi relacionada a uma diminuição de 49% nos níveis de anticorpos no sangue em crianças com 7 anos.
"Ficamos realmente surpresos com os resultados, que sugerem que os PFCs são mais tóxicos para o sistema imunológico que a exposição às dioxinas (outro poluente orgânico)", afirma Philippe Grandjean, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard e coautor do trabalho publicado na revista científica Jama.
Os perfluorados são cobiçados pela indústria têxtil e de alimentos, pois repelem gorduras e água. Servem, por exemplo, para produzir roupas impermeáveis ou resistentes a manchas, além de embalagens para alimentos - especialmente fast-food - e revestimentos de panela - como teflon. Também são utilizados pela indústria química como agentes secundários em processos industriais de outros produtos.
No Brasil. A química Isabel Moreira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), também pesquisa PFCs. Recentemente, sua aluna Natalia Quinete identificou esses compostos em amostras de água potável de diversas cidades fluminenses, em águas fluviais e em animais marinhos - como moluscos da Baía de Guanabara e peixes.
Isabel considerou muito positiva a pesquisa do Jama. "Há poucos estudos mostrando os problemas de saúde que essas substâncias podem causar", afirma a química. "Além disso, há poucas pesquisas no País sobre esse tema, pois ainda não temos equipamentos para identificar essas substâncias com facilidade."

 


A QUÍMICA SUPRAMOLECULAR DAS ARANHAS!


Dois artigos recentemente publicados na revista científica “Nature”, sobre a química, a bioquímica e a biofísica dos fios das teias de aranhas, foram comentados em um artigo publicado em outra revista científica, “Angewandte Chemie International Edition”. O texto a seguir é uma tradução livre deste.
O fio das teias de aranhas é um material absolutamente excepcional: tem uma resistência mecânica proporcionalmente maior do que a do aço quando se leva em conta sua baixa densidade. Um único fio de teia de aranha alinhado sobre a linha do equador teria a massa de apenas 500 gramas. Os fios da teia de aranhas são feitos de proteínas: uma cadeia polipeptídica que consiste de uma sequência repetida de dois fragmentos peptídicos, juntos chamados de “sequência AQ”. O fragmento A é hidrofóbico (hidro=água; fobia=aversão. Ou seja, aversão à água, um fragmento que não admite moléculas de água associadas), que apresenta muitas unidades do aminoácido alanina (A): GPYGPGASA6GGYGPGGQQ (cada letra corresponde a um aminoácido). O fragmento Q é hidrofílico (hidro=água; filo=afinidade. Ou seja, com afinidade por água, é um fragmento que apresenta moléculas de água associadas através de ligações de pontes de hidrogênio), rico em glutamina e em glicina: (GPGQQ)4. Esta estrutura AQ é a “parte central” da fibra do fio da teia de aranha, e sua estrutura e função lembram a do colágeno (proteína espalhada pelo corpo dos humanos que forma o tecido conjuntivo). A fibra dos fios da teia de aranha são formados por 12 fragmentos AQ, os quais terminam com fragmentos diferentes, que atuam como “sinais químicos” e partes diferentes constituídas por grupos amina livres (-NH2) e grupos carboxila lvres (-CO2H).  Estas partes diferentes formadas pelos grupos amina e carboxila livres participam de funções diferentes, como controle da solubilidade da proteína e da formação da fibra que dá origem ao fio da teia de aranha.
Por exemplo, a estrutura da terminação C (ácido carboxílico, -CO2H) não repetida (NR-C) da fibroína da aranha Aaraneus diadematus foi estudada em solução por ressonância magnética nuclear (RMN). A técnica de RMN detecta os núcleos de alguns átomos (mas não de todos), como por exemplo os de hidrogênio (1H). É possível se “medir” a forma como átomos de hidrogênio de uma molécula orgânica interagem entre si, e com isso entender como esta molécula orgânica se comporta em solução (por exemplo, em uma solução salina). Desta forma, é possível se verificar como partes das proteínas das aranhas “se dobram” em solução (foi o que foi feito). Foi observado que dois NR-C da fibroína de A. diadematus formam uma estrutura dimérica, altamente simétrica, com um formato de barril, constituído por duas hélices da proteína, unidas entre si por uma ponte dissulfeto (pontes dissulfeto, S-S, são ligações enxofre-enxofre formadas entre dois aminoácidos cisteína. Estas pontes dissulfeto aumentam a rigidez das proteínas). Este “formato de barril” da estrutura das proteínas das fibras dos fios da teia fazem com que as partes hidrofóbicas (A) fiquem agregadas, enquanto que a parte hidrofílica (Q) fica fora do barril, de maneira a que possa se agregar a moléculas de água.
Para que o fio da teia seja formado, é necessário que o pH do ambiente de formação seja muito bem regulado. Foram feitos experimentos com mini-spindroínas (proteínas bem menores do que as spindroínas, que formam os fios), que mostraram que quando a terminação N (amino, -NH2) está participando da formação da proteína, o pH do ambiente deve ser 6,0 (levemente ácido).De outra forma, em pHs mais baixos (mais ácidos) ou maiores (mais básicos), a proteína não se forma. Todavia, estes efeitos são reversíveis. Ou seja, se por um acaso o pH do ambiente se altera, e a formação da proteína é interrompida, a formação da proteína continua quando o pH do ambiente volta a ser 6,0. Já a terminação C (ácido carboxílico, -CO2H) participa da extensão da proteína, ou seja, do aumento do tamanho desta.
A formação das proteínas do fio da teia ocorre dentro de glândulas das aranhas, e são estocadas como oligômeros (pequenos polímeros) de alta densidade, com uma estrutura micelar (uma micela é uma estrutura esférica supra-molecular, ou seja, que faz uso de muitas moléculas de um determinado tipo, chamadas de detergentes, por terem uma extremidade carregada positiva ou negativamente, hidrofílica, e uma “cauda” sem carga, hidrofóbica), formando uma microemulsão. Cada micela contém várias proteínas dos fios da teia, e as micelas são estabilizadas pela presença dos grupos N (amina, -NH2) e C (ácido carboxílico, -CO2H) terminais. A auto-agregação das proteínas para formar as micelas é reversível.
Dentro das aranhas, a formação das fibras de proteínas não é apenas determinada pelas mudanças químicas do ambiente, mas também por estímulos mecânicos em um tipo de sinergia (ação conjunta de forças) de efeitos macroscópicos e microscópicos, ilustrados na figura a seguir. Para entender as propriedades formadoras de fibrilas da cadeia de proteínas, é preciso compreender como a extrusão do complexo micelar supra-molecular acontece: estresse de cisalhamento (cisalhamento é um movimento de “escorregar para frente e para trás” ao longo do comprimento de um eixo), extrusão de água e troca de íons estimulam a formação das fibras dos fios da teia. A terminação C (ácido carboxílico) faz com que a cadeia AQ não mude de viscosidade durante o processo de cisalhamento. Por outro lado, a cadeia protéica já formada dá origem a uma forma globular que leva ao surgimento de agregados fibrosos quando o terminal C (ácido carboxílico) está presente.
As aranhas formam uma proteína extremamente específica para dar origem às fibras dos fios da teia. Estas proteínas são o resultado da fusão de um bloco de um co-polímero (AQ) anfifílico (anfi=ambos; filo=afinidade. Ou seja, um polímero que é ao mesmo tempo hidrofílico e hidrofóbico) e dois “barris” diméricos, com proteínas dobradas na forma de alfa-hélices. Nas glândulas da aranha, as proteínas formam um conjunto de uma microemulsão supramolecular. A aranha então aplica fortes forças de cisalhamento ao mesmo tempo que realiza a extrusão da proteína de suas glândulas. Esta extrusão é acompanhada da expulsão de água da microemulsão, levando ao desdobramento das estruturas de barris, fazendo com que os fragmentos hidrofílicos se projetem de dentro para fora. Ocorre então uma mudança macroscópica na forma da emulsão, levando a uma polimerização específica que dá origem aos fios da teia com sua enorme resistência mecânica.
A transição na forma das proteínas dos fios da teia, a partir de um complexo supramolecular solúvel em água na forma de micelas para formar fibras longas, mostra como estas proteínas podem mudar de forma de acordo com mudanças no ambiente químico e sob forças mecânicas. Além disso, o estudo realizado mostrou não somente as particularidades de como os fios das teias de aranha e como a teia é formada, mas também como as aranhas trabalham com os fios para formar a teia mais eficiente para capturar suas presas. Embora a formação de fibrilas protéicas sempre foi vista co
mo uma disfunção estrutural, levando à perda de forma tridimensional das proteínas que as formam, as aranhas se utilizam de tais propriedades para formar os fios de suas teias, altamente resistentes.
Perguntas que ainda restam para serem respondidas sobre as teias de aranha incluem: será que as terminações N (amina) e C (ácido carboxílico) operam de maneira cooperativa, ou reagem diferentemente sob um determinado estímulo químico? Como a agregação supramolecular das cadeias protéicas individuais garante a formação de uma estrutura em rede para dar origem a fios de até 1 metro de comprimento? Como que um fio formado de maneira tão específica pode responder tão bem a diferentes presas capturadas pelas aranhas? A qualidade dos fios das teias depende de como esta é formada pela aranha e fatores ambientais, bem como da alimentação das aranhas. Mas a qualidade intrínseca dos fios é determinada pela sua composição de aminoácidos. A compreensão de como os componentes dos fios da teia pode dar origem ao processo de formação da teia, com suas propriedades mecânicas, ainda permanece um enigma para as ciências dos biomateriais.
Só o homem-aranha conhece estes segredos.
ResearchBlogging.orgSilvers, R., Buhr, F., & Schwalbe, H. (2010). The Molecular Mechanism of Spider-Silk Formation Angewandte Chemie International Edition DOI:10.1002/anie.201003033